Saturday, January 9, 2010

Música Erudita


Hoje fui ver um concerto ao Coliseu do Porto. Concerto de Ano Novo com ballet incluído.
Dei por mim várias vezes, como me costuma acontecer, perdida entre mil e um pensamentos, a passar a vida de fio a pavio, o que foi e há-de ser ou devia ser...
É um pouco estranha tanta divagação. Eu gosto de música, e no entanto não me consigo concentrar nela. Quando foco a minha atenção é para tentar distinguir que linha está a fazer este ou aquele instrumento. Por vezes, desafios semi-impossíveis, como ver a senhora da harpa tocar e tentar descobrir, no meio de tanta confusão, quais as notas que ela está a emitir. Ou, claro, para assistir aos pares de bailarinos, altura em que praticamente só ouço silêncio e me perco totalmente. Ora a perceber o que eu saberia ou não fazer ou, numa atitude mázinha, a tentar perceber quem é que erra nisto e naquilo, e a tentar perceber as falhas. Apercebo-me com algum desgosto que o tempo foi passando, e ele é sempre soberano, e rouba de nós mesmo as partes que antes considerávamos como fundamentais para nos definir. Por isso por vezes invento defeitos, só para achar que ainda pertenço um pouquinho àquele mundo, ainda que racionalmente saiba que não.

Porque é que gosto de pensar que adoro música mas não consigo ouvi-la de fio a pavio no seu estado mais puro? Difícil de perceber. Sei que se tivesse uma canção à qual pudesse prestar atenção ao mesmo tempo seria mais fácil. Bem... nalgumas músicas até tinha. Mas canto lírico inviabiliza a minha compreensão dos poemas na sua base...

Tenho saudades de dançar. Não sei porque gostava tanto de o fazer. Não tinha particular aptidão, muito pelo contrário. O meu biótipo está longe do desejável, e os tendões pouco extensíveis idem. Durante todo o percurso tinha algo ao qual prestar atenção especial e corrigir: primeiro os braços estavam demasiado fluídos e iam caindo das posições onde pertenciam. Batalhei para ultrapassar isso, e consegui. Novo problema - a rigidez que imprimi aos braços estendiam-se às mãos. Agora, antes de cada exercício tinha de as sacudir para que ficassem mais soltas. Depois, as temíveis pontas. Nunca consegui uma posição totalmente correcta porque os meus pés simplesmente se recusavam a uma experiência tão radical, e mandavam-me secretamente ganhar juízo. Por fim, e quando tudo já estava errado, o pescoço. Não seguia linha naturais e prejudicava tudo o resto.
No último exame tive a nota mínima possível que me permitia passar. Apesar de tudo, e dadas as condições em que o fiz, soube a muito. A amargura veio de saber que nunca tive notas que se destacassem. Sempre foram medianas, apesar do esforço. O esforço não conquista tudo. Gosto de acreditar que fiz muito do que me era possível, apesar de tudo.

A dança é para mim como que a forma de arte mais primitiva, porque não necessita de mais nada senão do corpo com que nascemos (se este não se lembrar de pregar partidas). Não são precisas canetas ou papel, pincéis e pigmentos, martelo e cinzel, instrumentos... nada. Só imaginação e possibilidade de movimento. Certamente que é enriquecida quando acompanhada de música (e nela se sustem, em grande parte) e de tudo o resto que cria o ambiente a transmitir - os cenários, guarda-roupa, maquilhagem... espirais de folhos, rouge, fatos estranhos e tule, muito tule. Mas ainda que despida de tudo isso, é possível existir. Basta trautear uma melodia na nossa mente e, cruzando o silêncio, criar imagens, histórias, personagens. Mesmo que ninguém veja. Mesmo que o palco seja um metro quadrado do nosso quarto, e o público o nosso próprio olhar a vigiar o espelho. Ela existe...

Mas é do tule que tenho saudades...

Da exigência. De trabalhar 2 horas para 14 segundos de coreografia, e no dia seguinte mudar tudo de novo. De passar tardes a pintar adereços e cenários. Da música que alguém mais sábio que nós escolhe, e que nos encanta. De ficar a espreitar nos bastidores, e ver os mais espectaculares solos acontecerem, e continuar a ficar boquiaberta, mesmo após as dezenas de ensaios que o precederam. Das palmas no fim. De fazer parte de algo maior, e saber que outros dependem de nós e do que quer que possamos dar, seja pouco ou muito. Saudades de almejar a perfeição, mesmo sabendo que nunca a iria atingir.

Saudades de me sentir livre dentro de mim mesma...

Friday, January 8, 2010

Cheiro a cão com sono

Acho que hoje consegui eleger, de entre todos os cheiros que guardo na memória (aquela poderosa, crua e instintiva como só uma porção tão primitiva do cérebro pode guardar), qual o meu preferido.

É o cheiro a cão com sono.

Não sei explicar como, mas os cães têm um cheiro diferente quando estão com sono. Nos humanos o cheiro do suor muda consoante as circunstâncias e as diferentes moléculas correm por nós adentro. Mas, do pouco que sei de fisiologia canina (ou seja, senso comum), os cães só transpiram pela lígua. E as minhas cadelas quando dormem fazem-no de língua fechada. Bem... há vezes em que o sonho ladra mais forte e elas mexem-se como se o R.E.M. não estivesse a marcar as suas posições. Mas normalmente a sua transpiração está guardada entre os dentes.

Então porquê? Porquê a diferença entre cão sonolento e não sonolento?

Não sei. Só sei o que me diz o meu nariz - é diferente. É um cheiro que me traz conforto e ternura. Lembra-me as noites em que me estava a perder num qualquer zapping desinteressante e vinha ela, pata ante pata, sem toda a energia diurna e cambaleando, pedir-me festas de dorso no chão. Até o pêlo de rafeira parecia estar mais macio... E ficava com ela no colo até estar cheia de todo e tédio do mundo e a voltar a deitar no corredor. Ou de, não muito secretamente, a levar comigo para a cama para que adormecer fosse tão mais fácil.

Agora, mudou o pêlo, cor de mel, mudou o suor, mudou a rafeira. O cheiro mantém-se. O conforto mantém-se. A ternura que inspira um pequeno animal rendido ao mimo é constante. E apesar da ternura, é irresistível mexer e acordar, moldar. Pelo menos até ouvir um longo suspiro, misto de reclamação e resignação. O sorriso não se contém.

Sunday, January 3, 2010

saldos e reflexões apensas

Abriu a época dos saldos. Nada contra. Já consumi mais até do que o normal, com um desejo de renovar uma imagem que já tantas vezes me foi apontada como não correspondente à minha personalidade... ou antiquado. Não sei exactamente precisar os adjectivos, porque normalmente são conversas um pouco longas, em como deveria cuidar mais de mim, e perder um pouco mais de tempo a pensar na minha imagem, ou usar as peças de roupa mais porreiras que tenho - o que normalmente acabo por não fazer porque tal exige mix and match, o que demora algum tempo, e é bem mais fácil recorrer ao esquema sapatilhas + calças de ganga + camisola genérica + camisola de lã + casaco (até há pouco tempo, os meus invernos eram passados recorrendo todos os dias ao mesmo).
Eu percebo perfeitamente o que os meus amigos querem dizer, e concordo. Reconheço que muitas vezes a nossa atitude face aos outros se modela consoante nos sentimos melhor ou pior com a nossa pele in any given day, e vice versa - quando olhamos para quem nos rodeia, a forma de se apresentarem influencia o juízo que dela fazemos.

Acho que a minha renitência em mudar se deve a vários factores. O principal será preguiça. Outro poderá ser o "tenho mais que fazer", em parte tão de mãos dadas com o primeiro, mas por outro lado com um pensamento latente de que há tanta coisa em mim que é preciso melhorar e afinar, que o estilo não parece de todo importante, em comparação. Depois, há uma certa irritação com o factor aparência, e o quanto importa na nossa sociedade. Volto a ressalvar que percebo, e que concordo, e lai lai lai... mas... às vezes parece demais. Como se existisse uma pressão generalizada em como temos de ser todos hiper mega ri fabulosos sempre que saímos de casa. Não há espaço para olheiras, para caras zangadas, para dias de silêncio. Carpe diem, carpe diem, tic tac tic tac tic tac... Fabulous is the ultimate goal!... Acho que no fundo continuo a acreditar que a personalidade se manifesta mesmo através de roupas não condizentes com a mesma. Só é preciso olhar duas vezes. Valerá a pena captar a atenção de alguém que não tem tempo de olhar duas vezes?


Relendo o texto, acho que não era bem isto que queria dizer. Até porque se a roupa é uma expressão do próprio, não pode ter como finalidade atrair olhares. Portanto fica um ensaio para um texto posterior, quiçá melhor construído...

Friday, January 1, 2010

big bang!

Novo ano, tempo de por ideias antigas em prática. Uma pessoa disse-me, em tempos (não propriamente distantes), que a escrita me está no sangue, "digas o que disseres!". Não acredito que tenha talento. Quero apenas um cantinho onde possa falar com a ó-tão-egoísta sensação de que alguém estará a ouvir. Um exercício de exorcismo pessoal, chamemos-lhe. Mas sem água benta, que o teclado era capaz de não resistir.

Fico-me por aqui, por ora.

Ah, convém já avisar... não tenciono manter qualquer regularidade de escrita. Aliás, se passar do primeiro post já será bom. Não custa tentar...